quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Gurus à solta


TRANSCRIÇÃO DA CRÔNICA DE WALCYR CARRASCO
PUBLICADA NA REVISTA VEJA SÃO PAULO DE 10 DE OUTUBRO DE 2007
(PARTE INTEGRANTE DE VEJA 40 - Nº 40) EDITORA ABRIL


Quando era adolescente, fui a uma cartomante próxima ao Cemitério da Consolação. "Ela acerta tudo", havia confidenciado uma amiga. Uma senhora gordinha me deixou entrar por uma fresta da porta. Na época, leitura de sorte dava cadeia. Talvez por não conseguir prever a própria prisão, ela era cuidadosa. Abriu o baralho. Fiz a pergunta clássica:

– Estou apaixonado por uma garota morena, mas ela não sabe...

A mulher fechou as cartas.

– Primeiro você tem de estudar, antes de pensar nessas coisas.

E ainda cobrou a consulta! Saí de lá furioso. Conselho assim meu pai já me dava, e de graça! Meu fascínio pelas previsões continuou. Eu mesmo estudei leitura de mão, tarô... Ao longo dos anos, conheci gurus. Havia uma garota loira e simpática, de família rica, que nunca mais vi. Perguntei por ela. Um amigo contou:

– Encontrou um guru. Ela e mais três amigas estão morando com ele. Lavam, passam, cozinham e fazem meditação. Segundo ele, o trabalho físico eleva o espírito.

– E certamente torna a vida dele muito confortável! – afirmei.

Estou sempre pesquisando grupos místicos, seitas, conhecimentos esotéricos. Gosto. Admiro. Tento me aprofundar. Mas me assusto com a recente inflação de gurus, cartomantes, adivinhos, astrólogos. Os convites para cursos, palestras, futurologias abundam em jornais, revistas, mensagens da internet! Há algum tempo fui fazer uma massagem com um mestre oriental. Caríssima. Sentamos um em frente ao outro.

– Você é uma pessoa introspectiva, que busca um objetivo – disse ele.

– Sim, sim!

– Sente falta de afeto sincero.

– Sim, sim!

Concordava com tudo! Estava com as costas doloridas de sentar diante do computador. E mais ainda por ficar no tatame de pernas cruzadas, ouvindo o blablablá. Finalmente ele parou de falar. Aliviado, tirei a camisa.

– Fique vestido. Nosso tempo se esgotou – afirmou mansamente.

– Mas... e a massagem?

– Você foi curado pela Prana, a energia cósmica que fluiu entre nós durante a conversa. Volte na semana que vem. Temos um longo caminho.

Quase dei uma entortada no sujeito. Não esticou um dedo, cobrou a massagem e ainda tive de pagar pela energia cósmica, que, supõe-se, é gratuita!

Encontro xamãs por todo lado. Faz pouco, em uma festa, um senhor se aproximou:

– Você é especial.

– Oh, obrigado! – concordei.

– Mas sua energia está presa. Vejo sombras, que você precisa vencer.

– Ah, é?

– Eu tenho um grupo que pode ajudá-lo muito e...

Fui correndo cercar a bandeja de salgadinhos!

Um amigo entrou para um grupo secreto, repleto de rituais. Descobriu que não podia comer carne nem fazer sexo na véspera e no dia dos encontros. Nem nos dias santos. Após vários cálculos, sobravam cerca de dez dias por semestre para o churrasco e... Na primeira semana, ele e a companheira dormiram castamente, de costas um para o outro. Na segunda, estavam nervosos e brigaram por causa do tempero da salada. Na terceira, desistiram de se elevar ao plano angelical! 

Pior, porém, foi o outro extremo. Um conhecido resolveu se dedicar a um grupo de ioga, em que atingiria o plano superior permanecendo de cinco a seis horas na mesma posição erótica com a mulher. Em vez de amor, teve cãibras!

Nada contra os gurus em si. Muitos são sérios! Mas com freqüência há uma relação de poder embutida. Querem dizer o que eu, você e a humanidade toda deveríamos fazer. A vida se torna um emaranhado de proibições. E, para mim, a felicidade é ainda o principal caminho para a paz interior. 

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